Maria Ascensão Fernandes Teixeira nasceu a 13 de maio de 1926. Filha de José Nicolau Fernandes Teixeira e Conceição Fernandes Teixeira era a mais velha dos cinco filhos do casal, três raparigas e dois rapazes. Viveu toda a sua vida na freguesia da Camacha, apesar dos seus pais e irmãos se terem mudado para o Funchal, ainda não tinha concluído a escola primária. Foi na casa dos avós que permaneceu mesmo depois de iniciar a sua atividade como bailadora no Grupo Folclórico da Camacha. Aos 7 anos representou e cantou no Auto de Natal, assumindo o papel de anjo. Aos 9 anos participou como Saloia no Espírito Santo, acompanhada pela orquestra popular da freguesia (conhecida pelo povo como roquestra). Maria Ascensão seria também, durante 4 anos, a criança escolhida na Camacha para a grande festa do Espírito Santo.
A sua entrada num grupo de folclore, o único a que esteve ligada, aconteceu quando tinha 22 anos. O convite para integrar o Grupo de Folclore da Casa do Povo da Camacha, foi endereçado por António Martins Júnior, o principal bailador, com o conhecimento do diretor artístico Carlos Santos. Pelo percurso do grupo e pela entrega pessoal da própria Maria Ascensão esta acabaria por ser a sua principal atividade profissional e, em simultâneo a paixão da sua vida. O grupo teve no folclorista Carlos Santos uma referência importante, enquanto ensaiador e diretor artístico. Mas, com Maria Ascensão ganhou brilho e alegria nas suas apresentações públicas. Casada com Abel Policarpo de Freitas no dia 4 de Novembro de 1957, elemento também do conjunto, dinamizou por mais de 50 anos as danças tradicionais da Madeira.
A sua ação envolveu não só os elementos do grupo original, como também a formação de novos bailadores. Com ela, passando esse testemunho da cultura e tradição estiveram todos os elementos da coletividade, salientando-se os nomes de Adolfo Freitas, António Sérgio Martins, José Valentim Rodrigues, António Policarpo e naturalmente o próprio marido, Abel Policarpo que começou por tocar rajão e mais tarde violino. Em 1949, Maria Ascensão foi entrevistada e fotografada pelo Século Ilustrado, em Lisboa. Esta foi a sua primeira entrevista, numa publicação de referência para aquela época.
«A Loura da Camacha» foi a escolhida entre os elementos para dar a conhecer ao país, a embaixada folclórica da Ilha da Madeira. A revista apresentava nessa edição a mulher rural madeirense, num traje de cores garridas e com um sorriso que a todos cativava. A imagem de marca de Maria Ascensão seria ao longo de décadas, o rosto do próprio Grupo de Folclore da Casa do Povo da Camacha. Foram muitas as estações de rádio e televisão que lhe registaram as entrevistas, o modo de bailar, até mesmo as cantigas e jogos cantados da sua infância. De todas as partes, continentes e países, trouxe uma lembrança que depois perante os amigos recordava com as histórias vividas durante as digressões. Bastava expor todas estas pequenas peças para compreender o percurso do Grupo da Camacha e da sua sempre presente Maria Ascensão. Na Madeira atuou perante convidados estrangeiros em muitas festas no Reid’s Hotel, Miramar Hotel ou no Casino. Semanalmente (ao longo dos anos 50), o Grupo atuava também a bordo dos navios de cruzeiro que faziam escala no porto do Funchal. Noutras exibições dessa época incluem-se as festas na Feira do Marítimo e na Quermesse do Nacional. O tocar e bailar com carácter regular, levou durante anos o Grupo da Camacha a uma entrega diferente, uma espécie de profissionalização da coletividade. Isso era algo que não acontecia com outros grupos amadores. O excelente nível das coreografias, a parte musical cuidada, o traje e acessórios dentro da tradição e cultura, eram aspetos referidos pela crítica especializada da época. No âmbito do folclore português, esta embaixada insular conquistou um lugar de destaque.
A internacionalização
Em 1949, O Grupo iniciou um ciclo de digressões fora do país. A primeira dessas viagens levou-o a Madrid, ao Grande Concurso Internacional de Danças. Um honroso 2º lugar na final, trouxe ao conjunto madeirense a atenção da comunicação social portuguesa e os convites apareceram um pouco de todo o lado.
De jovens trabalhadores de uma pequena freguesia, a membros de Grupo reconhecido internacionalmente em festivais de folclore foi um passo. Em 1951, a sua presença fez-se sentir em Biarritz, tendo o coletivo aproveitado esta viagem para exibir-se também em Saragoça e Madrid. No regresso a Portugal, ainda houve tempo para duas atuações: a primeira no Teatro Avenida e a segunda na Casa da Madeira em Lisboa, ao lado do grande artista Max. Por essa altura, Maria Ascensão participou também no Documentário «Madeira Story», realizado por Horace Zino (1951). Um outro documentário importante tinha já recolhido imagens das danças, cantares e tocares da Madeira em 1950. Com realização portuguesa e apresentação de Artur Agostinho e João Villaret (dois nomes da rádio e do teatro nacionais), a película «Pérola do Atlântico», estreara no Teatro Municipal do Funchal a 30 de Maio de 1950. No que diz respeito aos programas de rádio, o Grupo de Folclore da Casa do Povo da Camacha foi alvo de uma atenção especial por parte da Emissora Nacional, sendo um dos exemplos, o programa «A Voz do Campo», com edição semanal. Também a Revista Flama, incluíra na edição de Fevereiro de 1951 um artigo sobre a importância do Grupo da Camacha, na propaganda dos Costumes da Madeira. Os primeiros postais a cores do Grupo, à venda nos principais quiosques da cidade, contavam também com a presença de Maria Ascensão, em poses de dança, a tocar instrumentos de corda tradicionais ou a bordar uma toalha madeirense.
Em 1954, no encerramento da Festa da Primavera realizada no Funchal, a arte de bailar e encantar de Maria Ascensão e do Grupo da Camacha, associavam-se no palco e na festa, à artista nacional Amália Rodrigues. Assim constava no cartaz publicitário (edição do Diário de Notícias da Madeira de 21 de Maio de 1954). Ao longo do mês de Junho de 1955, o Grupo desenvolveu uma série de atuações locais enquanto preparação para o Festival Internacional de Folclore, a realizar no País de Gales (Reino Unido). A mais importante dessas aparições aconteceu perante o novo Presidente da República, Craveiro Lopes, nos Jardins da Quinta Vigia. Quanto ao referido festival, em Llangollen, foi talvez o evento mais espetacular que esta embaixada madeirense participou. Em espaço criado de raiz, com todas as valências no terreno (serviços, alojamento, segurança, médicas) o festival recebeu ao longo de vários dias, 35 mil pessoas. As danças e cantares dos grupos de toda a Europa, Estados Unidos da América e Canadá foram transmitidos pela rádio e televisão de diversos países. Vários órgãos de comunicação, como a BBC, a France Press e a United Press, solicitaram mesmo entrevistas ao diretor do grupo e, os muitos fotógrafos da imprensa ali representada, recolheram e publicaram imagens dos madeirenses em diferentes jornais e revistas, um pouco por todo o mundo. Sem dúvida, uma das mais importantes digressões de toda a história do Grupo da Camacha.
Já em Portugal no ano seguinte (1956), O Grupo de Folclore da Casa do Povo da Camacha foi um dos congéneres portugueses selecionados para participar no primeiro acontecimento etnográfico nacional: o Festival de Braga, realizado entre 20 e 24 de junho de 1956. Ao longo da década de 60 Maria Ascensão e o marido Abel Policarpo, tomaram a responsabilidade de levar a bom porto toda a ação da coletividade. Assim o fizeram durante 42 anos. De entre as atuações deste período salientam-se: o Festival Internacional de Folclore realizado pela Sociedade Estoril – Sol, em agosto de 1962, a digressão em 1965 à África do Sul, mais propriamente à cidade de Joanesburgo, a digressão à cidade de Neuchatel, na Suíça (1971) e em 1973, a consagração esperada há muito, a digressão aos Estados Unidos da América. A colónia madeirense residente em New Bedford endereçara o convite na Primavera de 1973. Expressa oficialmente esta pretensão através da Confraria do Santíssimo de New Bedford, o Grupo contaria uma vez mais com o patrocínio da TAP, tornando assim possível a realização de um sonho não só aos elementos da Camacha mas a toda a diáspora residente naquela região do mundo. O voo direto para Nova Iorque realizou-se a 2 de Agosto de 1973 e o objetivo primeiro foi a atuação no Dia do Madeirense, na cidade de New Bedford, Massachusetts. O Dia do Madeirense (Festas do Santíssimo Sacramento) desse ano de 1973, teve uma particular atenção dos diários locais como o The Standard Times ou o Portuguese Times. Em 1977 voltaram à África do Sul e, em 1978, realizaram a primeira digressão à Venezuela. Maria Ascensão, destacava-se como embaixadora cultural da Ilha da Madeira, das suas danças, costumes e tradição. Um papel que partilhava com muita amizade com outro ilustre conterrâneo, o cantor Maximiano de Sousa.
Em 1984, Maria Ascensão integrou uma comissão de recuperação do ritual da Festa do Espírito Santo. Sendo ela uma das mais importantes fontes de conhecimento da tradição oral, nomeadamente das antigas canções que se tinham perdido com o passar do tempo, foi com o seu contributo que se manteve as antigas melodias e os ancestrais versos populares. Salienta-se ainda o facto de ter sido eleita nesse ano Imperatriz da Festa do Espírito Santo, algo de inédito na história das festividades. O reconhecimento pelo seu serviço à comunidade e à Madeira, aconteceu a 9 de Agosto de 2002. Nesse ano, foi homenageada a título póstumo, sendo criada em sua memória a Gala Internacional do Folclore Maria Ascensão - uma festa da música, da dança e da cultura insular.
Texto :Vítor Sardinha