20 NOVEMBRO 2017

Tesouros da Madeira com vista para o pão de açúcar

Reportagem do Diário de Notícias nacional.

A nova exposição do MNAA é uma viagem à Madeira dos séculos XV e XVI, Como a prosperidade da cana do açúcar permitiu encomendas nas Flandres. 

 

A visita à nova exposição do Museu Nacional de Arte Antiga, As Ilhas do Ouro Branco - Encomenda Artística na Madeira (Séculos XV-XVI), pode deixar a sensação de que em qualquer igreja ou capela da ilha se pode encontrar obra de um grande pintor da Flandres. O comissário Francisco Clode de Sousa garante que é mesmo assim. "Ainda temos alguns casos de capelas muito pequenas e modestas cujo interior tem um esplendoroso retábulo. Isso é uma forma de caracterizar o que foi este apelo do século XVI e este deslumbramento pela importação de grandes obras de arte. Grandes em dimensão e grandes em qualidade". 

A encomenda coincide com uma época de grande prosperidade económica, a do ciclo do açúcar, evocada na primeira de todas as salas da galeria de exposições temporárias do MNAA. É uma cápsula do tempo onde se procura lembrar o território por explorar que era a ilha quando foi descoberta (Porto Santo em 1418, Madeira um ano depois) e a importância do cultivo e comércio do tal ouro branco, demonstram o jarro de purgar e o pão de açúcar, um bloco da matéria-prima que a Madeira exportava para toda a Europa, e o seu desenho inscrito no brasão da do Funchal. Tal qual o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro, o território para onde foram exportados estes engenhos e onde o êxito se repetiria, para mal do Funchal, que perdeu o negócio (mas manteve as obras de arte).

"A ideia foi mostrar este contraste e a violência destas imagens -vales, abismos - porque o espaço arável na Madeira é muito reduzido e a capacidade de habitar e criar uma organização administrativa e eclesiástica e onde se ensaiou Portugal fora de si próprio. A Madeira é um balão de ensaio do que será o Portugal da expansão", refere Francisco Clode de Sousa, diretor dos Serviços de Museus e Património da região autónoma da Madeira. A ideia é notada também pelo diretor do MNAA. 

"É para esse território que se expande a Europa, a partir de Portugal, testando soluções de organização administrativa e eclesiástica, que são depois aplicadas em grande escala no Brasil", acrescenta, referindo-se às capitanias, por exemplo. A Madeira desse século divide-se em três partes. Porto Santo, por lado; o norte da Madeira, com capital no Machico; e o sul, cuja cidade mais importante é o Funchal. Os territórios são liderados por capitães-donatários: Bartolomeu Perestrelo, Tristão Vaz Teixeira e Gonçalves Zarco, respetivamente.

É no último quartel do século XV que a produção e comércio do açúcar se impõe. "Com as consequências culturais que advêm", relaciona Clode de Sousa, lembrando as 86 obras selecionadas para esta exposição oriundas do Museu de Arte Sacra da Madeira, do Museu da Quinta das Cruzes e de várias igrejas e capelas da ilha. A Madeira exportou açúcar e "e atraiu estrangeiros", explica o comissário. Flamengos e italianos, cujos nomes se mantêm, como Lomelino e Acciauoli.

Fernando Baptista Pereira, também comissário da exposição, nota, durante a visita guiada que muitas pinturas foram alvo de restauro e investigação para esta exposição. É o caso do tríptico que representa a Descida da Cruz, uma obra para a qual chama a atenção, para lá das cinco peças-chave que podem guiar o visitante. É uma encomenda de Urbano Lomelino, "um genovês que manda fundar o convento de S. Francisco, em Santa Cruz, onde está hoje o aeroporto Cristiano Ronaldo". O pedido, em testamento, é posto em prático pelo sobrinho, Jorge, que se retrata com a mulher num tríptico e que é atribuído à oficina de Gérard David e dos seus seguidores.

A exposição, patente até 18 de março, é a primeira de uma série de eventos que comemoram os 600 anos do descobrimento da Madeira em 2018 e 2019.

 

As escolhas do Comissário*

Santiago Maior

Do círculo de Dieric Bouts "Acho uma peça muito curiosa pela sua relação direta com a peste no Funchal, o voto que foi pedido e a reutilização. Não representava o patrono, mas podia confundir-se com ele. Então, foi usado e até hoje permanece como uma figura ligada ao voto do Funchal.

Brasão da cidade

Pão de açúcar Gostaria de destacar as peças com o brasão da cidade, porque têm os pães de açúcar. A cidade do Funchal conserva até hoje um brasão no qual estão cinco pães de açúcar ou cinco formas para fazer açúcar que mostram como este ciclo económico perdurou até hoje quando já não há nenhum engenho de açúcar a funcionar na Madeira.

Tríptico de gaula

De Provoost "Tenho de destacar este tríptico que está no Museu de Arte Antiga, porque temos a documentação toda. O momento do testamento em que é definido e a chegada da peça à Madeira, os estudos que foram feitos, a confirmação da encomenda à oficina de Provoost, que depois terá feito outras pinturas que lhe são atribuídas. Aquela [o tríptico da igreja de São João de Latrão, em Gaula], não há dúvida."

Tríptico de Simão Gonçalves da câmara

Da oficina de Pieter Coecke van Aelst "O tríptico de Simão Gonçalves da Câmara mostra duas gerações de capitães-donatários da Madeira. É [importante] sob o ponto de vista documental e artístico, ainda por cima encomendada a uma grande oficina de pintura da Flandres, que era a de Pieter Coecke van Aelst, o sogro de Brughel, o Velho. Estamos na elite da ate flamenga."

Fuga para o egito

Michael de Coxcye "[Destacaria] a pintura de Michael de Coxcye, porque marca o término das grandes encomendas às oficinas flamengas, nomeadamente porque está datada [1631] e assinada. O pintor ostenta orgulhosamente o título de pintor do rei [Pictor Regis Pinxit]. Ele era pintor de Filipe II. Esta foi uma tentativa de Filipe II de imitar o seu avô, D. Manuel II, nas ofertas à catedral, que tinha tudo oferecido pelo rei D. Manuel.